segunda-feira, 7 de setembro de 2015

HIDROGINÁSTICA E A HIPERTROFIA MUSCULAR
            A Hidroginástica é um dos exercícios mais indicados e procurados nos centros de esportes, academias e clubes. Parte de sua popularidade se dá pelo mito de que é de baixa intensidade, sem riscos e contraindicações (o que na maioria das vezes não é verdade!). Muitos benefícios são colocados na conta desta atividade, a saber: melhora da autoestima, melhora do equilíbrio, melhora da flexibilidade, melhora do condicionamento cardiorrespiratório, melhora da composição corporal, aumento da densidade mineral óssea, aumento da força e hipertrofia muscular...fora as indicações para os mais variados grupos específicos (gestantes, idosos, obesos, cardiopatas etc...). Boa parte das indicações supracitadas carece de comprovação científica e ficam no âmbito do senso comum.
O tópico abordado a seguir tenta lançar luz para uma questão relativamente polêmica em relação à Hidroginástica e suas vertentes. O GANHO DE FORÇA E HIPERTROFIA MUSCULAR NOS EXERCÍCIOS AQUÁTICOS.
Antes de entrar na discussão sobre o desenvolvimento de Força Muscular (FM) e Hipertrofia Muscular (HM) através da prática de Hidroginástica, é importante contextualizar esta atividade. Ela é composta de movimentos acíclicos, fontes energéticas variadas (mista) e por ser no meio líquido uma série de mudanças nas respostas fisiológicas e na dinâmica do movimento ocorrem, ou seja, a modalidade em questão deve ser analisada sempre levando em consideração estes fatores, principalmente quando falamos em comparação com outras atividades terrestres.
É importante ressaltar que o nome Hidroginástica engloba uma série de modalidades aquáticas, como: Hidropower, Aquafit, Deep water, Aquacross etc..., algumas de fato com propostas diferenciadas e outras apenas nomenclatura para efeito de Marketing.
Feita a introdução pode-se agora discutir os efeitos da Hidroginástica como sobre a FM e HM.  
PONTO 1 – Para abrir a discussão é necessário entender quais os tipos de aulas estamos analisando. Não é de fato esperado que tenhamos ganhos importantes em FM e HM se o programa de aula abrange mais a parte cardiorrespiratória (o que representa a maioria das aulas), ou seja, não tem ganho em FM e HM porque não é o objetivo da aula. Seria o mesmo que um professor no salão de musculação passar uma série de 45 minutos correndo numa esteira para um aluno com objetivo estético de HM. Neste caso eu preciso ser específico e óbvio, para ganhar força, preciso treinar força.
PONTO 2 – Partindo do princípio que a sessão de aula será voltada para o treino de força, temos aqui outro problema. O meio líquido apresenta algumas limitações para o treino de força, a saber:
- Tipo de contração diferente no meio líquido, onde temos mais ações concêntricas do que excêntricas;´
- Respeito ao principio da individualidade – com turmas heterogêneas (característica da Hidro) é mais difícil controlar os treinos de cada aluno. A série acaba sendo para a turma e não para o aluno;
- Sobrecarga – Em relação ao treino contra a resistência fora d´água observa-se uma grande diferença, pois fora d´água o controle da carga é mais fácil e o limite de carga é muito alto, ao passo que na Hidro eu teria talvez 3 tipos de graduação em alguns equipamentos. Em suma, progressão de carga prejudicada;
- Manutenção da intensidade – Como na água a resistência está ligada diretamente com a velocidade de execução, há uma dificuldade de o aluno manter esse controle durante o tempo proposto ou durante as repetições.
Conhecendo as limitações, você poderá tentar minimizar as mesmas e obter resultados mais satisfatórios de FM e HM no meio líquido.

PONTO 3 MINIMIZANDO AS LIMITAÇÕES
- Tipo de contração – Por muitos anos acreditou-se que as contrações no meio líquido seriam 100% concêntricas e isocinéticas, porém PöYHONEN et.al (2001) demonstraram através do EMG que a redução da atividade agonista ocorreu coincidentemente durante o final do movimento com atividade excêntrica dos antagonistas em repetições de extensão e flexão do joelho. Isto é em parte por causa do fluxo padrão da água, desaceleração do movimento da perna e pré-ativação antes da mudança na direção do movimento.


Aí está um exemplo para minimizar um ponto negativo que é a menor participação de fases excêntricas nos exercícios na água, pois é sabido que o treino concêntrico-excêntrico é superior ao concêntrico- concêntrico para desenvolvimento de FM e HM (HATHER, et.al. 1991; HIGBIE, et.al. 1996; FARTHING, et. al. 2003).


Deformações causadas por ações excêntricas – possivelmente pelo grau de tensão maior sobre cada fibra muscular e o fato de neste tipo de ação, o músculo ser alongado. (fonte: HORTOBAGYI et. al. (1998)).

De toda forma as ações concêntricas continuam predominando nos movimentos realizados no meio líquido, a não ser que utilizemos flutuantes, elásticos ou os mal afamados pesos (equipamentos muito densos), este último que na verdade descaracterizaria a atividade.
Analisando os equipamentos para a Hidroginástica podemos observar o quão é difícil utilizá-los para promover mais ações excêntricas. Os flutuantes e os elásticos chegam a um ponto de resistência tal que o corpo não consegue ficar em equilíbrio no meio líquido, pois não há base para o aluno se segurar (princípio de Arquimedes – “quando um corpo está parcialmente ou completamente imerso em um líquido ele sofre um empuxo para cima igual ao peso do líquido deslocado”) (BRASIL & DI MASI, 2006)
Sendo assim os equipamentos mais utilizados para o trabalho de força na água são os resistidos (ou de arrasto), que aumentam a resistência pela maior área de contato, mas também neste caso a contração predominante seria a concêntrica. Para maiores detalhes sobre os tipos de equipamento assistam a vídeo/aula https://www.eventials.com/pt-br/dudufaleiro/novas-tendencias-na-hidroginastica/.
Em relação ao controle da intensidade a solução pode ser utilizar algum tipo de escala de percepção de esforço, como utilizados nos estudos de Souza et al (2010) e Colado et. al. (2012), ou simplesmente estabelecer um tempo ou número de repetições e exigir manutenção de uma velocidade próxima da máxima.
Já a questão de turmas heterogêneas, o professor pode criar turmas específicas para o treino de força na água e de certa maneira uniformizar mais a turma ou dedicar um esforço maior para individualizar o treino em turmas heterogêneas.

PONTO 4 – NÚMERO DE REPETIÇÕES OU TEMPO DE TENSÃO.
Quando se fala em trabalho de FM e HM no meio líquido, logo se associa ao número de repetições tradicionalmente utilizado fora d´água (séries de 6 a 12 RM). Entretanto no meio líquido fica difícil imaginar que tipo de exercício mesmo com equipamentos forneceria resistência suficiente para restringir em 12 ou 15 RM, ficando claro aqui que está premissa não funciona no trabalho de hidroginástica.
Não obstante, alguns autores vêm questionando o paradigma de baixas repetições e alta carga como sendo o único recurso para volume muscular. Van Roie et al. (2013) estudando idosos(população muito encontrada na hidro) verificaram que séries de 10 RM, 60 RM ou 80 a 100 RM são igualmente eficazes para hipertrofia quando terminando com falha muscular. Consoante com o estudo anterior Schoenfeld et al.(2014) em um estudo de meta análise evidenciaram que o trabalho de 50% ou menos de 1RM pode melhorar a FM e HM substancialmente em indivíduos destreinados, demonstrando assim que o tempo de tensão é também importante. Estes dados demonstram que não se deve ficar preso a alta carga e baixa repetição nas atividades no meio líquido.
Apesar dos resultados promissores para um número maior de repetições no trabalho de FM e HM, ainda persiste o problema de no meio líquido o trabalho muscular ser diferente (com mais ação concêntrica). Uma hipótese seria trabalhar com um número maior de repetições na água até a falha muscular, pois se analisarmos a contração fora d´água, em um trabalho de 10 RM de flexão do cotovelo, o bíceps braquial estará sobtensão em 20 movimentos (flexão concêntrico e extensão excêntrico) e já na água seriam 10 rep concêntricas com o bíceps e 10 rep concêntricas com o tríceps, ou seja, (em teoria) devíamos no mínimo dobrar o número de repetições no trabalho aquático.
Tendo em vista o supracitado, recomenda-se para o treino de FM na água:
a)    Aumento da velocidade de execução dos exercícios, pois no meio aquático o arrasto aumenta com o quadrado da velocidade. (importante ressaltar que a velocidade de execução não prejudique a postura e a amplitude do movimento);
b)    Aumentar a área de contato (maior arrasto de forma ou resistência frontal) aumentando a sobrecarga;
c)    Explorar as trocas de direção, onde há uma desaceleração do movimento e pré-ativação antes da mudança na direção;
d)    Aumentar o número de repetições, não ficando no tradicional recomendado para fora d´água;
e)    Criar um planejamento das aulas, dividindo por grupos musculares e objetivos;
f)     Monitorar o treino e avaliar constantemente.
O QUE AS PESQUISAS DIZEM SOBRE AS RESPOSTAS DE FM E HM COM O TREINAMENTO AQUÁTICO?
O estudo mais promissor no meio líquido é o de PöYHONEN et.al (2001), que teve como diferenciais três pontos importantes: trabalhou com mulheres jovens (até então e ainda hoje os trabalhos focam nos idosos) e utilizou para medir a variação de FM e HM equipamento isocinético e tomografia computadorizada respectivamente, conferindo um grande peso a este estudo. O “n” foi de 24, idade média 34.2 anos, foram dividas em 2 grupos/ controle e experimental, duração de 10 semanas para um treinamento de resistência de extensores e flexores do joelho com um equipamento resistivo (ver vídeo/aula link acima). Os resultados apontaram aumento do torque isométrico de 8% e 13% isocinético. A tomografia computadorizada revelou aumento da massa muscular do quadríceps em 4% e 5.5% dos isquitibiais.  
 Estes resultados foram seguidos de uma série de estudos sobre o tema e em particular um grupo brasileiro vem se destacando na temática. O grupo de pesquisas em atividades aquática e terrestres (GPAT) comandado pelo experiente Dr. Luiz Fernando Martins Kruel produziu uma série de investigações sobre a FM com o trabalho aquático, demonstrando ser possível o desenvolvimento de força com a prática regular de hidroginástica.
Souza et. al. (2010) avaliaram 20 mulheres jovens divididas em grupo experimental e grupo controle e encontraram melhora estatisticamente significativa (p<0,05) na FM após 11 semanas de treinamento no meio líquido para o grupo experimental para vários segmentos avaliados.
Kruel et al. (2005) compararam a FM após 11 semanas de treino específico de força na água, encontrando melhora no grupo que realizou os treinos com equipamento e no grupo que realizou sem equipamento, enfatizando com estes resultados que a velocidade de execução pode ser tão importante quanto à sobrecarga pela área de contato no trabalho aquático.
Colado et al. (2012) compararam os resultados de um programa aquático com elásticos, equipamentos de arrasto e exercícios de pesos fora d´água para massa corporal magra. Resultados abaixo.
 


Tsorlou et al.(2006) estudaram os efeitos de 24 semanas de treinamento aquático sobre a força e composição corporal de mulheres idosas (+ de 60 anos) e encontraram resultados interessantes para aumento da força e mudanças na composição corporal, concluindo que o exercício aquático pode ser uma alternativa para melhorar a FM em mulheres mais velhas.
·         Os tipos de força
Existem vários tipos de treino de FM e em especial para força explosiva o exercício aquático vem se mostrando um bom aliado. Stemm & Jacobson (2007) compararam o treino pliométrico dentro e fora d´água, ambos melhoraram de forma significativa a potência do salto vertical, porém não encontraram diferenças entre os grupos, ressaltando ainda que o treino aquático promoveu menos stress posterior.
Robinson et al (2004) encontraram resultados semelhantes para aumento na altura do salto vertical entre grupo água x terra, porém com menos dor muscular tardia para o grupo que treinou na água
Conclusões
É possível obter ganhos significativos de FM e HM com programas de atividades aquáticas específicos, sendo uma alternativa para aqueles que não podem ou não gostam de realizar atividades contra resistência fora d´água.
O uso de equipamentos não é determinante, como demonstram alguns estudos (BORREANI et al., 2014; KRUEL et al., 2010), porém pode ser um fator de variação do treino.
São necessários mais estudos, pois boa parte dos trabalhos foca em indivíduos mais velhos, destreinados ou com enfermidades.
Apesar dos resultados promissores, ainda não dá para comparar com os resultados obtidos nos exercícios contra resistidos fora d´água para aqueles que já são condicionados e treinados ou que desejam ganhos estéticos maiores em HM .
Para o treinamento desportivo o treino na água parece ser um grande aliado no treino de força explosiva para salto vertical, com a vantagem de produzir menos dor muscular tardia, o que significa melhor treino no dia seguinte.
Apesar de algumas limitações para o treino de FM os exercícios aquáticos para população em geral podem ser uma alternativa para o aumento da FM e HM, desde que as sessões sejam específicas para este fim. Com ganhos que podem melhorar a qualidade de vida e capacidade funcional.

Referências bibliográficas
BORREANI, Sebastien et al. Muscle Activation in Young Men During a Lower Limb Aquatic Resistance Exercise With Different Devices. Physician and Sportsmedicine, v. 42, n. 2, p. 80-87, 2014.
DE SOUZA, Andréia Silveira et al. Treinamento de força no meio aquático em mulheres jovens. 2010
FARTHING, J. P. and P. D. CHILIBECK. The effects of concentric and concentric training at different velocities on muscle hypertrophy. Eur J Appl Physiol. 89:578-586, 2003.
HATHER, B. M., P. A. TESCH, P. BUCHANAN, and G. A. DUDLEY. Influence of eccentric actions on skeletal muscle adaptations to resistance training. Acta Physiol Scand. 143:177-185, 1991
HIGBIE, E. J., K. J. CURETON, G. L. WARREN, and B. M. Prior. Effects of concentric and eccentric training on muscle strength, cross-sectional area, and neural activation. J Appl Physiol. 81:2173-2181, 1996
KRUEL, Luiz Fernando Martins et al. Efeitos de um treinamento de força aplicado em mulheres praticantes de hidroginástica. Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício, v. 4, n. 1, p. 32-38, 2005
PÖYHÖNEN, Tapani et al. Neuromuscular function during therapeutic knee exercise under water and on dry land. Archives of physical medicine and rehabilitation, v. 82, n. 10, p. 1446-1452, 2001.
PÖYHÖNEN, T. SIPILÄ, S., KEISKINEN, K.L., HAUTALA, A., SAVOLAINEN, J., MÄLKIÄ, E. Effects of Aquatic resistance training on neuromuscular performance in health Woman.  Med Sci Sport Exe. v.34, n.8, pp. 2103-109, 2002
ROBINSON, Leah E. et al. The effects of land vs. aquatic plyometrics on power, torque, velocity, and muscle soreness in women. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 18, n. 1, p. 84-91, 2004.
SCHOENFELD, Brad J. et al. Muscular adaptations in low-versus high-load resistance training: A meta-analysis. European journal of sport science, n. ahead-of-print, p. 1-10, 2014.
STEMM, John D.; JACOBSON, Bert H. Comparison of land-and aquatic-based plyometric training on vertical jump performance. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 21, n. 2, p. 568-571, 2007.
TSOURLOU, Thomai et al. The effects of a twenty-four--week aquatic training program on muscular strength performance in healthy elderly women. The Journal of Strength & Conditioning Research, v. 20, n. 4, p. 811-818, 2006.

VAN ROIE, Evelien et al. Strength training at high versus low external resistance in older adults: effects on muscle volume, muscle strength, and force–velocity characteristics. Experimental gerontology, v. 48, n. 11, p. 1351-1361, 2013.

2 comentários:

  1. Me ajudou na dúvida que tinha sobre hipertrofia na Hidroginástica.

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  2. Excelente.
    Só não achei a fonte HORTOBAGYI et. al. (1998) nas suas referencias bibliográficas.

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